A venda a descoberto (ou short selling, em inglês) é um termo utilizado para caracterizar uma operação na Bolsa de Valores na qual um investidor está apostando na queda de uma ação ou de um índice.
A venda a descoberto pode ser usada tanto como uma forma de ganhar dinheiro com aquela operação quanto como uma proteção para uma posição comprada muito grande.
Esse tipo de operação, no entanto, é de alto risco, podendo levar os investidores a perdas expressivas, superiores ao valor investido.
Como funciona a venda a descoberto
A venda a descoberto funciona da seguinte forma: o investidor aluga a ação que quer ficar ‘short’ na Bolsa de algum investidor que quer manter aquela ação por um longo tempo.
Na sequência, ele vende essa ação no mercado pelo preço que ela está negociando naquele momento.
Como no contrato de aluguel ele precisa devolver a ação alugada em algum momento, a expectativa dele é que o preço da ação caia até a data do encerramento do contrato.
Dessa forma, quando ele tiver que comprar a ação para devolver para quem a alugou, ele espera pagar um preço menor do que o valor que ele ganhou com a venda que fez no momento do aluguel.
Se isso acontecer, o investidor vai ganhar nessa diferença.
Lucro com venda a descoberto
Para ficar mais claro, vamos pegar o exemplo de um investidor que alugou uma ação quando ela negociava a R$ 10 com o compromisso de devolvê-la em um mês.
Pelo aluguel, ele pagou uma taxa de 1%, ou R$ 0,1.
Ao fim do período, se o preço da ação tiver caído para R$ 7, o investidor terá lucrado R$ 2,9.
Veja a conta:
Prejuízo com a venda a descoberta
Por outro lado — e é aí que mora o perigo desse tipo de operação — se o preço subir muito até o momento da devolução da ação ele poderá ter que comprar a ação por um preço muito maior, tendo um prejuízo expressivo.
Considerando que, no limite, a ação pode subir até o infinito, a perda pode ser tanta a ponto de quebrar um investidor.
Vamos pegar o mesmo exemplo: uma ação alugada a R$ 10 pelo prazo de um mês e a uma taxa de 1%.
Se ao final do mês, a ação tiver subido para R$ 1.000 por N motivos, o prejuízo do investidor será muito relevante, e bem superior ao valor que ele investiu.
Veja a conta.
Ou seja, em uma operação que ele investiu R$ 0,10 (a taxa do aluguel), ele teve uma perda de mais de R$ 990.
Evidentemente, esse é um exemplo extremo e normalmente os investidores colocam travas na operação para garantir que a perda não seja tão expressiva. Ainda assim, o risco é grande.
Como funciona o aluguel da ação
O aluguel de uma ação é feito no ambiente da B3 e funciona de forma bem parecida ao aluguel de um imóvel: o tomador do aluguel paga um valor para o dono da ação em troca de poder usar a ação em suas operações por um período combinado.
Quando esse período acabar, o tomador é obrigado a devolver a ação alugada ao dono.
Para garantir que não haja calote, a B3 sempre toma outros ativos do tomador como garantia da operação.
A taxa cobrada pelo aluguel da ação varia muito dependendo do momento — e ela é calculada em grande parte por conta da oferta e demanda.
Se houver muitos investidores querendo alugar uma ação específica e poucos investidores querendo alugá-las, a taxa do aluguel será alta. E vice-versa.
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Venda a descoberto no mesmo dia
Além da venda a descoberto em prazo mais longos, como nos exemplos que demos acima, é possível operar vendido no mesmo dia — uma operação que é muito utilizada no day trade.
Nesse caso, o investidor não precisa fazer o aluguel da ação.
Ele normalmente faz a operação com uma ação que ele já tem, vendendo ela no mercado e recomprando mais tarde por um preço menor.
O papel da venda a descoberta
No mercado de ações, há diversos investidores que se especializam apenas em ‘shortear’ ações, estudando a fundo as empresas para buscar oportunidades de ganhar na queda.
Apesar desses investidores não serem bem vistos por parte do mercado — e especialmente pelas empresas, que não gostam de saber que estão apostando contra seu sucesso — eles têm um papel fundamental no mercado de ações.
Diversos ‘short sellers’, como esses investidores são conhecidos, tiveram papel relevante na descoberta de fraudes corporativas, ajudando a manter o mercado mais transparente e livre de empresas desonestas.
Exemplos de fraudes
Um exemplo bem conhecido que ilustra o papel dos ‘short sellers’ no desmascaramento de fraudes de empresas é o caso da Wirecard.
A fintech alemã foi por anos considerada um grande sucesso no mercado financeiro, com suas ações valorizando muito e seus executivos embolsando salários e bônus enormes.
A empresa, no entanto, era uma grande fraude — e a história foi revelada por um jornalista do Financial Times com a ajuda de ‘short sellers’.
O caso da Wirecard foi retratado em um documentário da Netflix chamado “O Escândalo da Wirecard”, onde é possível ver claramente o papel decisivo que os ‘short sellers’ tiveram.
No Brasil, outro caso icônico em que um ‘short sellers’ ajudou a descobrir uma fraude é o do IRB, o ressegurador que por anos foi visto como um dos melhores do mundo em termos de retornos financeiros.
O IRB tinha grandes empresas entre seus acionistas, incluindo o Bradesco e Itaú, o que passava uma segurança enorme aos investidores.
Em 2021, no entanto, a gestora Squadra — que estava operando vendida na ação há anos — publicou um extenso documento revelando fraudes contábeis na empresa, que se provaram verdadeiras.
Além das fraudes na contabilidade, os executivos da empresa chegaram a mentir falando que Warren Buffett havia investido no negócio.